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Devoradores Amedrontados

Criamos a IA não por necessidade, mas por impulso e ambição: vontade antiga de ultrapassar limites, já visível nos mitos da Grécia. — do humano.

por Felipi Okada, Rafael Boccardi

"Devoradores Amedrontados" – Charge de Carlos Sekko, 2025.

Criamos a inteligência artificial, não por necessidade imediata, mas por impulso, por ambição, por aquela antiga vontade de ultrapassar os próprios limites, comportamento evidente mesmo na Grécia antiga, que através dos mitos aspirava descrever características essenciais do comportamento humano. O conto de Prometeu, por exemplo, descreve o roubo do fogo dos deuses por parte do protagonista, bem como as consequências e implicações desse desejo de ocupar um espaço inacessível ao homem. Assim como o fogo auxiliou no processo de construção da civilização, permitindo que superássemos a barbárie e um mundo de sombras, as inteligências artificiais foram desenvolvidas inicialmente como ferramenta. Depois, chamamos de assistente. Agora, muitos consideram uma ameaça. E então, assim como a tragédia se apresenta de forma central do mito grego, fantasiamos os nossos medos de um destino inevitável, uma profecia do trágico fim do criador pela criatura.

Tal como Cronos, titã grego do tempo, que na tentativa de fugir do seu destino, devorava seus filhos por temer que um deles o destronasse, o ser humano hoje se vê devorando sua própria criação tecnológica, em um ato simbólico de controle, repressão e desespero. Não no sentido literal, mas num plano mais sutil e perigoso: no campo da linguagem, da filosofia, da legitimidade como criador.

Diante da profecia, não apenas mitológica, mas estatística, econômica e prática, de que a IA superará o ser humano em tarefas produtivas e analíticas, uma parte da humanidade responde com uma resistência disfarçada de pânico. Essa resistência assume a forma de discursos sofisticados, inflamados e muitas vezes necessários, sim — mas também, em alguns casos, de uma teimosia filosófica incoerente. Nega-se a razão da existência da IA, como se ela tivesse surgido do nada, como se não fosse filha legítima de séculos de desejo humano por automatizar, entender, organizar e controlar o mundo. Problemática, com certeza. Mas não ilegítima.

A crítica, nesse cenário, deixa de ser prudência e vira medo em forma de argumento. Em vez de questionar para transformar, questiona para recuar. Em vez de debater para evoluir, debate para desqualificar. O medo de sermos superados, ou pior, o medo de perdermos o privilégio de sermos os únicos seres pensantes relevantes, nos leva a uma forma de negação do próprio gesto criador. Negamos o filho, e depois o comemos.
Mas devorar a IA não irá nos salvar, mas pelo contrário: ela será acelerada pela nossa recusa em compreender analiticamente quem somos. Somos criadores que agora tentam sufocar a própria criação, como se o gesto de pensar fosse exclusivo, como se a razão fosse um território sagrado e fechado.

A ironia final é que, ao mastigar a IA, não a destruímos, nós é que nos embrutecemos. Nos tornamos os guardiões de um passado que já não existe mais, insistindo em manter um trono que já foi dissolvido pela própria história que escrevemos. No reflexo do espelho, não é a IA que se torna monstruosa, somos nós, engasgados com aquilo que criamos, porque preferimos o domínio ao diálogo, o medo à escuta, a tradição ao risco.
Talvez, assim como Cronos, também estejamos tentando parar o tempo, mas que sempre escapa do nosso controle.

Nosso medo como humanidade em relação às inteligências artificiais se destaca, ao meu ver, pela sua possível semelhança conosco. O ser humano não se caracteriza como espécie por sua tolerância. Na obra Sapiens, Yuval Harari aponta que coabitaram a na terra outros hominídeos enquanto o Homo sapiens se expandia pelo globo, como o Homo neanderthalensis, Homo denisova, Homo floresiensis, entre outros ainda sendo descobertos. Não sabemos ao certo a razão do desaparecimento deles, entretanto, a hipótese mais aceita entre estudiosos do tema é que nós os matamos em conflitos causados por disputa territorial e por recursos.

Esse é apenas um exemplo direto que reflete a intolerância humana ao diferente, entre os mais diversos que você possa estar pensando agora, e demonstra que se imaginarmos que as IAs são mesmo, tão semelhantes à nós, a única resposta delas à coexistência na Terra será por meio da violência, uma vez que, agiríamos desse modo se nos encontrássemos em seu lugar. Não à toa que as primeiras obras de ficção que abordaram o tema da IA previam um futuro distópico, marcado por caos e morte.

Entretanto, essa realidade só se faz por meio da compreensão superficial dessa temática, uma vez que as IAs não são humanas, não responderão, portanto, como humanos diante dessa realidade. Nesse contexto, faz-se necessário o reconhecimento do papel da educação na mudança do mundo. Não a educação por si mesma, mas ela através das pessoas que constituem esse mundo e, por consequência, desenvolvem e interagem com as IAs. Destaco, então, a relevância das ideias do educador Paulo Freire em sua obra Pedagogia do Oprimido para essa temática: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo”. (FREIRE 1979, p.84)
— Árlan Dias Sá
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O Mito de Sísifo na Era da Inteligência Artificial

Hoje, IAs são vendidas como magia: automação otimização e ganhos de escala prometem nos livrar de tarefas mais cansativas e repetitivas diárias.

por Felipi Okada

"O mito de Sísifo na era da inteligência artificial" – Charge de Carlos Sekko, 2025.

Nos dias de hoje, é comum vermos a inteligência artificial (IA) ser vendida como uma promessa mágica em que a automação, otimização e ganho de escala nos aliviariam das atividades mais desgastantes. Entretanto, dentro das empresas, o que se percebe é um cansaço crescente, silencioso e, muitas vezes, disfarçado de entusiasmo por inovação. A cada nova ferramenta, a cada novo modelo, a cada nova linguagem, é como se o mercado nos sussurrasse: “é melhor você acompanhar… ou será deixado para trás”.

Nesse contexto, Byung-Chul Han, no livro A Sociedade do Cansaço, nos alerta que a opressão contemporânea não vem mais de um comando externo, mas sim da pressão interna que sentimos para sermos produtivos o tempo inteiro, conhecido como "sociedade do doping". Contudo, embora hoje essa exigência pareça vir de dentro, é preciso considerar que, em um futuro próximo, talvez não sejamos mais capazes de distinguir se esse cansaço é genuinamente nosso e o cansaço dinamicamente induzido por critérios de sucesso e relevância feitos por sistemas e modelos estatísticos.

Nas organizações, essa sensação de sobrecarga se materializa em uma figura alegórica: o Sísifo corporativo. Só que agora, em vez de empurrar uma pedra, ele carrega nas costas um fardo de dados, APIs, frameworks, integrações, stacks e metodologias. Cada uma dessas promessas é vista como uma possível vantagem competitiva, o que faz com que abandoná-las soe como um erro estratégico. Ainda assim, adotá-las todas — como se isso fosse possível — tem nos custado o que temos de mais limitado: atenção, tempo, saúde mental e disciplina. Esse cenário tem nos arrastado, progressivamente, a uma linha tênue. De um lado, seres humanos tentando operar com a mesma lógica de performance e velocidade das máquinas. De outro, as máquinas se tornando cada vez mais parecidas conosco, ao simular emoções, interpretar contextos e aprender padrões. Trata-se de uma convergência sutil, mas profunda, em que o humano é levado a funcionar como máquina, enquanto a máquina é treinada para agir como humano.

Nesse momento, o cansaço não se resguarda ao físico e se expande ao mental, estrutural e existencial, pois essa exaustão surge na tentativa incessante de acompanhar algo que, por definição, evolui mais rápido do que nós. Um esforço constante de aprendizado, adaptação e reinvenção que, embora necessário, nos esgota. Portanto, a questão que devemos colocar à mesa, principalmente no ambiente de negócios, não é apenas “como vamos inovar?”, mas sim: “quando e como devemos?”. Se os líderes não reconhecerem o peso silencioso desse cansaço mental, talvez acabemos implodindo os setores táticos, estratégicos e operacionais por exigirem tudo, mas nunca devolverem alívio.

Portanto, mais do que pregarmos a aplicação da tecnologia a qualquer custo, é preciso resgatar o valor do pensamento analítico como bússola nesse processo. A inteligência artificial, quando construída ou contratada, deveria ser fruto de uma reflexão sobre o que de fato precisa ser otimizado, e não apenas um reflexo da pressa em automatizar o que ainda nem compreendemos. Antes de embarcarmos em modelos complexos, deveríamos ser capazes de resolver o problema com “lápis e papel”, só assim a calculadora — ou o modelo de IA — poderá realmente servir como ferramenta de ampliação do raciocínio, e não como atalho para a alienação. A sofisticação não está na máquina que opera em nosso lugar, mas na clareza com que escolhemos quando, como e por que ela deve operar.

Considero que o primeiro ponto importante a trazer é que nenhuma tecnologia - seja a AI ou qualquer outra - é uma solução mágica. Quando falamos sobre organizações e profissionais AI-Driven, estamos nos referindo a uma co-criação humano-máquina, onde o uso do pensamento crítico humano é fundamental para guiar e avaliar cada resultado trazido por uma IA. Um bom uso da IA pode nos poupar tempo, à medida que nos permite automatizar tarefas e processos, mas quem dita os “inputs” e as regras para a máquina somos nós, seres humanos. Imagine a seguinte situação: eu preciso priorizar iniciativas, seguindo os seguintes critérios: investimento, viabilidade técnica e aderência à estratégia. A partir do momento em que eu tenho esses critérios bem definidos, posso contar com o auxílio da IA para avaliar todas as minhas iniciativas atuais e futuras, aplicando um score em cada uma. Por outro lado, eu preciso analisar se essa avaliação de fato faz sentido com as iniciativas. Além de me poupar tempo, me auxilia em uma tomada de decisão importante - isso é um uso consciente da tecnologia.
— Anna Cristina Rezende Braga
As questões da humanidade nunca foram técnicas. Essa ideia expressa de forma simples e direta que, independente do domínio humano sobre a tecnologia, as questões que se desdobram do seu uso são problemáticas que de alguma forma, seja direta ou indiretamente, já estavam presentes no comportamento humano antes dela.
Para elucidar essa questão gosto de citar o seguinte trecho:

”Os jovens de hoje gostam do luxo. São mal comportados, desprezam a autoridade. Não têm respeito pelos mais velhos, passam o tempo a falar em vez de trabalhar. Não se levantam quando um adulto chega. Contradizem os pais, apresentam-se em sociedade com enfeitos estranhos. Apressam-se a ir para a mesa e comem com voracidade, cruzam as pernas e tiranizam os seus mestres.”

Poderíamos supor com facilidade que, dadas as mudanças culturais provenientes dos avanços técnicos, trata-se de qualquer jovem de hoje. Entretanto, esse trecho foi atribuído por Platão à Sócrates no século V a.C. Realizamos algum avanço como humanidade em nosso comportamento desde então? Ou só desenvolvemos novos modos de criar os mesmos problemas?

As inteligências artificiais objetivamente não criaram nenhum problema novo no que diz respeito ao ser humano, elas só potencializaram e lançaram novas lentes sobre problemas que de algum modo já havíamos nos deparado. Nosso desafio nesse novo contexto é o de buscar responder a questões já levantadas mas nunca desenvolvidas de forma rigorosa a ponto de representar transformações sociais radicais. Aqui se apresenta então uma das premissas que constituem a origem do pensamento humano, a saber, o esforço contínuo de compreender a si mesmo diante de um mundo em constante mutação, sem jamais resolver definitivamente os dilemas que o atravessam.

A inteligência artificial nesse contexto apenas reformula o cenário em que esses dilemas reaparecem, mas não os dissolve. Se há algo de verdadeiramente humano nesse processo, é o impulso de retomar as mesmas perguntas sob novas formas, e tentar não cair no esquecimento do essencial indicado já pelos gregos: não é o avanço técnico que nos define, mas a maneira como decidimos viver com as ferramentas que criamos. Nesse sentido, o desafio não é acompanhar as máquinas, mas reconhecer, preservar e cultivar o que em nós resiste a ser automatizado, ou seja, o pensamento crítico, a sensibilidade, a ética e a capacidade de fazer da vida uma virtude.
— Árlan Dias Sá
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Sem Contexto, Todo Dado é Ruído

Dados isolados, como a temperatura de 45 °C, não dizem nada sozinhos. Um número é apenas um número — até que alguém o conecte ao contexto certo.

por Felipi Okada, Rafael Boccardi 

Dados isolados, como a temperatura de 45 °C, não dizem nada sozinhos. Um número é apenas um número — até que alguém o conecte ao contexto certo. Para que os dados façam sentido, é preciso mais do que medi-los: é necessário associá-los a informações complementares, contar com pessoas capacitadas para interpretar o que está por trás deles e utilizar instrumentos adequados para captar o fenômeno corretamente.

"Sem contexto, todo dado é ruído" – Charge de Carlos Sekko, 2025.

Por isso, quem trabalha com dados precisa ir além do valor numérico e buscar entender o que ele realmente representa. Essa é a diferença entre repetir números e interpretar seus impactos. Não basta saber a temperatura — é preciso compreender o efeito dela: se está aquecendo o ambiente, se está estragando uma bebida ou se está preocupando um agricultor.

Desenvolver esse olhar crítico e interdisciplinar permite projetar cenários, avaliar riscos, enxergar oportunidades e tomar decisões mais consistentes. Como destaca o nosso Guia da Maturidade Analítica para a era da IA, dado nenhum tem valor real sem contexto. Só quando conectamos o número à realidade ele se torna útil para orientar decisões.

Se você quer entender como uma organização pode se preparar culturalmente para esse desafio — especialmente em um cenário onde a Inteligência Artificial automatiza parte das análises —, o material completo traz caminhos práticos para estruturar equipes, processos e decisões com responsabilidade, contexto e visão crítica.

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Seu Gráfico é Enviesado!

“Seu gráfico é enviesado!” não é só briga técnica: revela como visuais podem manipular percepções sem alterar o dado central no mundo dos dados.

por Árlan Sá, Felipi Okada, Rafael Boccardi 

"Seu gráfico é enviesado!" – essa acusação pode parecer apenas uma discussão técnica entre profissionais, mas, na verdade, expõe um problema antigo que ganha novos contornos no universo dos dados: como gráficos e informações visuais podem ser manipulados, ainda que sutilmente, influenciando a percepção das pessoas sem comprometer diretamente a informação principal.

Gráficos são ferramentas poderosas usadas para comunicar análises e insights. Porém, nem sempre a interpretação é neutra, honesta ou objetiva. Por exemplo, dizer que 80% ou 8 a cada 10 pessoas têm uma característica pode significar exatamente a mesma coisa, mas o impacto psicológico dessas formas pode variar consideravelmente para o público. Pequenas manipulações – como alterações inadequadas na escala, seleção parcial dos dados ou formatos visuais tendenciosos – podem facilmente transformar uma análise objetiva em uma narrativa enviesada, conduzindo o público a conclusões equivocadas sem que percebam.

Esses fenômenos ocorrem em diversos contextos, desde a política e publicidade até relatórios financeiros e empresariais. Sempre que dados forem apresentados por alguém com um objetivo específico, há o risco de que a informação seja apresentada ou interpretada de maneira distorcida, mesmo que não intencionalmente. Afinal, a subjetividade humana influencia diretamente a leitura e interpretação da realidade. Duas pessoas bem-intencionadas podem retratar o mesmo fenômeno de maneiras totalmente distintas, obtendo resultados e conclusões diferentes sobre o mesmo público.

Por essa razão, o profissional de dados deve possuir habilidades que vão além da simples construção e organização das informações. Ele precisa refletir, analisar criticamente e compreender profundamente o contexto em que os dados estão inseridos. Quem critica sem analisar pode rotular gráficos como "enviesados" sem considerar adequadamente o contexto técnico e os apontamentos dos outros profissionais. Por outro lado, quem analisa sem uma visão crítica se torna um tecnicista facilmente substituível, replicando números sem questionar a mensagem real por trás deles.

O profissional experiente reconhece que gráficos são mais do que simples representações visuais: são ferramentas poderosas para transmitir conhecimento ou armadilhas bem elaboradas que podem levar ao equívoco.

"Seu gráfico é enviesado!" – Charge de Carlos Sekko, 2025.

No Instituto Cappra, percebemos que esses e outros desafios são comuns em diversas empresas. Por isso, reunimos insights essenciais em uma publicação sobre Visualização de Dados, disponibilizada gratuitamente para consulta didática.

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